Gênero e Relações Governamentais
Andréa Gozetto (FGV/IDE)
Manoel Santos (UFMG)
Eduardo Galvão (Pensar RelGov)
Bruno Pinheiro (UFMG)
Em 2018, a Pensar RelGov
atualizou os dados da pesquisa “O
Perfil do Profissional de Relações Governamentais”, realizada em 2015. Para
essa atualização, foram entrevistados 265 profissionais da área. Os resultados
obtidos nos permitem analisar diversas questões, entre elas: gênero, nível
hierárquico, grau de instrução e remuneração dos indivíduos entrevistados.
Nossa amostra é composta por 58,1% de
profissionais do gênero masculino e 41,9% do gênero feminino. É relevante
pontuar que essa proporção é inversa a encontrada na população brasileira, composta por 48,5% de
homens e 51,5% de mulheres[1].
No quadro retratado por nossa amostra há 16% de homens a mais atuando em
Relações Governamentais do que mulheres.
Gráfico 1 –
Profissionais de RIG por gênero
Fonte: Pensar Relgov, 2018.
A pesquisa “Estatísticas de gênero —
Indicadores sociais das mulheres no Brasil", divulgada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizada em 2016, traz
informações que nos permite comparar o panorama que apreendemos entre os profissionais
de Relações
Governamentais e a população
brasileira. De acordo com a pesquisa, 23,5% de mulheres brancas maiores de 25
anos de idade possuem ensino superior completo. Homens possuidores das mesmas
características perfazem 20,7%.
Notadamente há mais homens do que
mulheres nessa área e, isso talvez ocorra por ser uma atividade muito
relacionada à política, campo historicamente ocupado por homens.
Cotidianamente, as profissionais de
relações governamentais enfrentam situações constrangedores no exercício da
atividade. Ambientes eminentemente masculinos, decisores que não as consideram,
a princípio, como as detentoras de maior nível hierárquico e piadas sexistas
infelizmente são situações mais comuns do que o desejado.
Cargos, hierarquia e gênero
Não se observaram diferenças muito
substanciais quanto ao nível de instrução dos profissionais dos gêneros
masculino e feminino. No entanto, quando nos debruçamos sobre os dados
relacionados a nível hierárquico, podem-se perceber as mesmas distorções encontradas
na população brasileira. Segundo a pesquisa do IBGE, as mulheres continuam
ocupando menos cargos de liderança — somente 37,8%.
O
gráfico abaixo mostra que há uma maioria masculina no cargo de
estagiário/trainee e as mulheres são maioria nos cargos de assistente e
analista. Porém, quando começamos a subir na hierarquia, as mulheres perdem
espaço. Note-se que à exceção do cargo de gerente, que é ocupado de forma
paritária, todos os demais cargos do extrato superior da hierarquia
organizacional são ocupados predominantemente por homens.
Gráfico 2 -
Número de profissionais por ocupação de cargo e gênero.
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Importante
registrar que nos cargos de diretoria, a presença feminina não chega a um terço
dos postos ocupados. Por fim, e não menos significativo, registre-se que a
amostra traz 3 respondentes que afirmaram ocupar cargos de presidente (1) e
vice-presidente (2). Não há mulheres ocupando esses cargos na amostra aqui
analisada.
Esses
números nos deixam ver como a área de Relações Governamentais reproduz a
realidade social em que vivemos. Observemos a presença de mulheres em níveis
hierárquicos mais altos na vida pública: (i) dos 22 ministros indicados pelo
governo Bolsonaro, apenas duas são mulheres; (ii) temos apenas uma governadora
eleita; (iii) as sete senadoras eleitas
em 2018 representam apenas 13% dos eleitos para o cargo; (iv) na Câmara dos
Deputados, a bancada aumentou, passando de 51 para 77 deputadas, o que
representa apenas 15% dos parlamentares[2]; (v)
nos partidos políticos, as mulheres ocupam poucos cargos de liderança,
constituindo apenas 20% dos dirigentes nos órgãos nacionais. Dos 35 partidos
políticos que concorreram às eleições em 2018, 4 contam com presidentes
mulheres: Luciana Santos (PCdoB), Laís Garcia (Rede); Renata Abreu (Podemos) e
Gleisi Hoffman (PT)[3].
Capacitação e gênero
Em Relações Governamentais, 100% dos
homens e mulheres entrevistados possuem graduação; 29% das mulheres
entrevistadas possuem apenas graduação; 3,6% possuem cursos de extensão; 46%
possuem especialização; 19% possuem mestrado e 2,8% possuem doutorado.
Entre os homens, os números não são muito
diferentes. 33,11 possuem apenas graduação; 47% possuem especialização; 12,98%
possuem mestrado; 2,59% possuem cursos de extensão e 2,7% possuem doutorado.
Percebe-se, que as mulheres, têm um nível
de capacitação um pouco superior a dos homens. Na percepção delas, a
capacitação é a forma de se igualarem na disputa com os homens num cenário que
percebem ser desfavorável a elas, já que os homens teriam vantagem na disputa
por cargos.
Remuneração
e gênero
Quando analisamos a remuneração dos
profissionais de Relações Governamentais, observa-se certa disparidade entre
homens e mulheres. No entanto, estamos
trabalhando com uma medida de faixa salarial, na qual o profissional indicava
onde se
encontrava a sua remuneração, de acordo com a escala abaixo:
Faixa
|
Intervalo
de valor
|
1
|
Menor que
R$ 2.500,00
|
2
|
Entre R$
2.500,00 e 5.000,00
|
3
|
Entre R$
5.000,00 e 7.500,00
|
4
|
Entre R$ 7.500,00
e 10.000,00
|
5
|
Entre R$
10.000,00 e 12.500,000
|
6
|
Entre R$
12.500,00 e 15.000,00
|
7
|
Entre R$
15.000,00 e 17.500,00
|
8
|
Entre R$
17.500,00 e 20.000,00
|
9
|
Entre R$
20.000,00 e 30.000,00
|
10
|
Entre R$
30.000,00 e 40.000,00
|
11
|
Acima de R$
40.000,00
|
O gráfico
abaixo mostra a distribuição do número de profissionais por gênero nessas
faixas salariais. Note-se que em todas as faixas salariais temos mais
profissionais homens que mulheres. Ou seja, de certa forma, o viés de acesso à
profissão, que verificamos acima, se distribui por toda as faixas salariais.
Contudo, a distribuição de homens e mulheres dentro de uma mesma faixa salarial
não é homogênea, e isso revela a injustiça na remuneração.
Gráfico 3–
Distribuição dos profissionais por faixa salarial
Se tomarmos
como referência a faixa salarial de R$ 7.500,00 a R$ 10.000,00, vemos que a
distribuição de vagas entre homens e mulheres não é desproporcional. Aqui temos
31 postos de trabalho, sendo 15 ocupados por mulheres e 16 por homens. Nesta faixa
salarial estão empregadas quase uma mulher para cada homem. Contudo, a inspeção
de outras faixas salariais mostra o quão perverso é o mercado para as mulheres.
Tomemos como
referência, por exemplo, os mais altos salários. Dos 7 postos de trabalho na faixa
entre R$ 30.000,00 e R$ 40.000,00, temos praticamente dois homens para cada
mulher. Na faixa acima de 40.000,00, o número é bem parecido.
O gráfico abaixo traz a distorção
de forma mais clara, medida pela proporção mulheres/ homens em todas as faixas
salariais. Note-se que à medida que vamos avançando nas faixas salariais, a
linha de tendência mostra que vai diminuindo a proporção de mulheres em relação
aos homens. Só em uma das faixas salariais as mulheres aparecem em número
superior aos dos homens, a faixa entre R$ 20 e 30 mil. Mas a tendência é
inequívoca.
Gráfico 4- Proporção
mulheres/homens por faixa salarial
A linha de tendência, pontilhada, traz uma
estatística bastante interessante. Trata-se do decréscimo médio que devemos
esperar a cada mudança de faixa salarial (o Y da equação). Essa estatística
indica que a cada faixa salarial que avançamos, devemos esperar, em média, que
a proporção mulheres/homens caia 0,03. Isso significa dizer que depois de
avançarmos 10 faixas, devemos esperar ter, em média, quase um terço a menos de
mulheres ocupando essas faixas salariais mais altas.
Mas, claro, não é só o gênero que determina o
salário. Concordamos plenamente. Outras variáveis como escolaridade, idade,
tempo de trabalho, experiência anterior, qualificações, tudo isso importa. Mas
é possível estimar o custo de ser mulher nesse mercado. Para saber o quanto do
salário é realmente determinado pela profissional ser mulher, vale a pena olhar
a estatística R2 no gráfico. Ela deve ser interpretada como a
estatística que mede a capacidade de explicação do modelo. Como nosso modelo só
tem uma variável, gênero, em palavras simples podemos dizer que a variável
gênero explica 23% da variação da faixa salarial dos profissionais de Relgov.
Ficando o restante da variação por conta daquilo que não estamos medindo. Ou
seja, é bastante plausível que a probabilidade de uma profissional de Relgov
avançar de uma faixa salarial para outra seja afetada em 23% simplesmente por
que ela é mulher, independentemente de suas qualificações ou quaisquer outras
vaiáveis nas quais estejamos pensando.
A discriminação percebida
no Brasil também pode ser sentida nos Estados Unidos. Uma pesquisa realizada
pela WGR – Women in Government Relations (Mulheres
em Relações Governamentais) sobre as tendências de carreira para as
profissionais que trabalham nesta área mostrou que as mulheres que trabalham
com Relações Governamentais recebem 0,68 cents para cada 1 dólar pago aos
profissionais do gênero masculino. No entanto, por lá há uma tendência de
aumentos reais dados às mulheres, pois há um trabalho em curso para eliminar
essa diferença[4].
Apesar de ainda não haver
uma organização nos moldes da WGR, há movimentos nesse sentido. As
profissionais de Relações Governamentais já criaram o Relgov por Elas, grupo de mulheres que tem como
objetivo investir em networking e
mentoring e outros grupos estão surgindo.
Podemos
concluir que, além de haver mais homens do que mulheres trabalhando na área de
Relações Governamentais, para as mulheres as chances de contratação, disputa
por cargos e remuneração elevada é mais difícil, ainda que, de forma geral,
elas tenham maior capacitação. No lobby, como em outras atividades, andar de
salto alto é bem mais difícil.
Ainda há
muito espaço para outros estudos sobre gênero para que possamos entender
profundamente em que medida o mercado de relações governamentais reproduz ou não
as injustiças praticadas contra as mulheres no mercado de trabalho em
geral. Em se confirmando essa tendência,
muito há por fazer, pois essas injustiças não se revertem naturalmente.
[1] Fonte: PNAD-C
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), 2016. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/materias-especiais/20453-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html#subtitulo-1. Acesso em 10/07/2019.
P.S. Artigo originalmente publicada na Revista Diálogos - Agosto de 2019.
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